À medida que o dia chega ao fim e o sol se põe, muitos cuidadores e profissionais de saúde notam uma mudança repentina no comportamento de alguns idosos, especialmente naqueles com demência. Agitação, confusão, ansiedade, irritabilidade ou desorientação — tudo parece intensificar-se ao entardecer. Este fenómeno é conhecido como Síndrome do Pôr do Sol (ou sundowning), e constitui um dos desafios mais delicados no cuidado à pessoa idosa.
Embora o termo evoque poesia, a realidade é muitas vezes angustiante para quem cuida e para quem sofre. Este artigo explora o que é o síndrome do pôr do sol, as suas causas, manifestações, estratégias de manejo e o impacto emocional que tem no idoso e na família.
1. O que é o Síndrome do Pôr do Sol?
O Síndrome do Pôr do Sol é uma alteração comportamental e cognitiva que ocorre predominantemente no final do dia, ao entardecer ou à noite. Caracteriza-se por aumento da confusão mental, agitação, desorientação, ansiedade, irritabilidade e alterações do sono.
Embora não seja uma doença em si mesma, é um sintoma frequente nas demências, em particular na doença de Alzheimer, mas também pode surgir em idosos sem diagnóstico de demência, especialmente em contextos de hospitalização ou institucionalização.
O nome “pôr do sol” reflete o momento do dia em que os sintomas se intensificam, coincidindo com a diminuição da luz natural e a transição para o período noturno.
2. Sintomas e manifestações comuns
As manifestações do síndrome variam de pessoa para pessoa, mas seguem um padrão característico. Os sintomas podem incluir:
- Agitação psicomotora — inquietação, andar de um lado para o outro, dificuldade em permanecer sentado;
- Aumento da confusão e desorientação — dificuldade em reconhecer pessoas, lugares ou compreender o tempo;
- Comportamentos agressivos ou verbais inapropriados;
- Ansiedade e medo — sensação de perigo iminente, choro ou recusa em ficar sozinho;
- Alterações do sono — insónia, inversão do ciclo sono-vigília, despertares frequentes;
- Alucinações visuais ou auditivas em casos mais severos.
Estes comportamentos tendem a diminuir durante a noite e desaparecer pela manhã, o que os diferencia de outras perturbações cognitivas persistentes.
3. Quem é mais afetado?
O síndrome do pôr do sol afeta principalmente:
- Idosos com demência, especialmente Alzheimer;
- Pessoas em ambientes desconhecidos (como hospitais ou lares);
- Idosos com défices visuais ou auditivos;
- Pacientes que sofrem de perturbações do sono ou dor crónica;
- Idosos sujeitos a mudanças bruscas de rotina ou stress emocional.
Estudos indicam que até 20% dos idosos com demência podem apresentar episódios regulares de sundowning, embora a prevalência real varie conforme o ambiente e a gravidade da doença.
4. Causas e fatores desencadeantes
A causa exata do síndrome do pôr do sol ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que resulte de uma combinação de fatores biológicos, ambientais e psicológicos.
4.1. Alterações do ritmo circadiano
O envelhecimento e a demência afetam o relógio biológico interno, localizado no hipotálamo, que regula o ciclo sono-vigília. A diminuição da melatonina e da sensibilidade à luz natural perturba este equilíbrio, levando a confusão e agitação no final do dia.
4.2. Fadiga física e mental
Após um dia inteiro de estímulos, o idoso pode sentir-se exausto. Essa fadiga reduz a capacidade de lidar com frustrações, aumentando a irritabilidade e a confusão.
4.3. Alterações ambientais
A diminuição da luz ao entardecer provoca sombras e contrastes visuais que podem ser mal interpretados, especialmente em quem tem défice cognitivo ou visual. Mudanças na rotina ou em cuidadores também podem desencadear episódios.
4.4. Fatores fisiológicos
Dor não tratada, fome, sede, infeções urinárias, obstipação ou febre podem contribuir para o surgimento ou agravamento dos sintomas.
4.5. Stress emocional e insegurança
Com a aproximação da noite, muitos idosos sentem medo, solidão ou insegurança. A ausência de familiares, o silêncio e a escuridão amplificam esses sentimentos.
5. O impacto para cuidadores e famílias
Para os cuidadores, lidar com o síndrome do pôr do sol é emocionalmente desgastante. As horas do fim de tarde — tradicionalmente associadas ao descanso — tornam-se momentos de grande tensão e vigilância.
Muitos relatam sentimentos de impotência, culpa, irritação e exaustão, agravados pela privação de sono. Por isso, é fundamental que o cuidado ao idoso seja acompanhado de apoio emocional e formação adequada aos cuidadores.
6. Diagnóstico e avaliação
O diagnóstico é clínico, baseado na observação dos comportamentos e na identificação do padrão temporal dos sintomas.
É importante excluir outras causas de agitação ou confusão, como infeções, hipoglicemia, desidratação ou efeitos adversos de medicamentos.
A avaliação deve envolver:
- Observação dos comportamentos ao longo do dia;
- Revisão da medicação e da história clínica;
- Análise do ambiente e das rotinas;
- Diálogo com cuidadores para identificar gatilhos específicos.
7. Estratégias de manejo e prevenção
Não existe um tratamento único para o síndrome do pôr do sol, mas várias medidas podem reduzir significativamente a frequência e intensidade dos episódios.
7.1. Manter uma rotina estruturada
A previsibilidade transmite segurança. Horários regulares para refeições, medicação e sono ajudam o corpo e a mente a manter o equilíbrio.
7.2. Exposição à luz natural
A luz do dia, especialmente pela manhã, ajuda a regular o ritmo circadiano. Durante o entardecer, é útil aumentar a iluminação interior para reduzir sombras e criar um ambiente calmo.
7.3. Ambiente tranquilo e familiar
Evitar ruídos fortes, mudanças súbitas e atividades estimulantes ao final do dia. Fotografias, música suave e objetos familiares transmitem conforto e orientação.
7.4. Alimentação adequada e hidratação
Evitar cafeína, álcool e refeições pesadas à noite. Pequenos lanches leves e líquidos ao longo do dia previnem a fadiga e a desidratação.
7.5. Atividade física e mental
Durante o dia, o idoso deve ser encorajado a mover-se, participar em atividades simples e manter contacto social. Isso reduz o tédio e ajuda a descansar melhor à noite.
7.6. Revisão da medicação
Alguns fármacos (como sedativos, anticolinérgicos ou estimulantes) podem piorar a confusão. O médico deve avaliar a necessidade de ajustes.
7.7. Apoio emocional
Falar com calma, usar frases curtas e reconfortantes, manter o contacto visual e transmitir segurança.
Evitar discussões ou tentativas de confrontar a desorientação — é preferível redirecionar a atenção com suavidade.
7.8. Intervenção farmacológica (casos severos)
Em situações de grande agitação ou risco, o médico pode recorrer temporariamente a medicação ansiolítica ou antipsicótica. Contudo, deve ser usada com extrema cautela e sempre após tentativa de medidas não farmacológicas.
8. O papel dos cuidadores e profissionais
O papel do cuidador é central. Para além da atenção às necessidades físicas, é fundamental compreender as emoções subjacentes ao comportamento do idoso.
Formação em comunicação empática, gestão do stress e técnicas de conforto pode transformar o ambiente e melhorar a qualidade de vida de ambos.
Os profissionais de saúde devem trabalhar em equipa interdisciplinar — médicos, enfermeiros, psicólogos e terapeutas ocupacionais — para ajustar rotinas e estratégias conforme o perfil de cada pessoa.
9. Quando procurar ajuda médica
Deve-se procurar ajuda quando:
- Os episódios são frequentes e intensos;
- Há risco de quedas, ferimentos ou agressividade;
- O idoso tem dificuldade em dormir por longos períodos;
- Há suspeita de infeção ou agravamento cognitivo;
- O cuidador se sente sobrecarregado ou em exaustão emocional.
A intervenção precoce é essencial para evitar deterioração do quadro e garantir segurança.
O síndrome do pôr do sol é mais do que um conjunto de sintomas — é um espelho das fragilidades físicas, emocionais e ambientais do idoso.
Compreender o fenómeno é o primeiro passo para enfrentá-lo com empatia e eficácia.
Criar ambientes calmos, rotinas previsíveis, luz adequada e uma presença afetiva constante pode transformar um momento de angústia num tempo de serenidade.
Para o idoso, o pôr do sol não tem de ser sinónimo de confusão ou medo — pode ser o início de uma noite tranquila, se for envolvido em cuidado, compreensão e luz.
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