Importância da Terapia de Reminiscência nas Demências

Importância da Terapia de Reminiscência nas Demências

O envelhecimento da população é uma realidade global e, com ele, o aumento da prevalência das doenças neurodegenerativas, em particular as demências. Em Portugal, estima-se que mais de 200 mil pessoas vivam atualmente com algum tipo de demência, sendo a doença de Alzheimer a forma mais comum. Esta condição não afeta apenas a memória, mas também a identidade, a autonomia e a qualidade de vida da pessoa.
Face a este desafio, a abordagem terapêutica deve ir além do tratamento farmacológico, integrando estratégias psicossociais que promovam o bem-estar e a dignidade da pessoa com demência. Entre estas intervenções, a terapia de reminiscência tem vindo a destacar-se como uma ferramenta eficaz e humanizadora.

1. O que é a Terapia de Reminiscência
A terapia de reminiscência é uma intervenção psicossocial que se baseia no resgate e partilha de memórias e experiências de vida. O seu objetivo principal é estimular a memória autobiográfica e fortalecer a identidade pessoal, através da recordação de acontecimentos significativos do passado.

Esta abordagem pode ser realizada individualmente ou em grupo, e utiliza diversos estímulos — como fotografias, músicas, objetos antigos, cheiros ou vídeos — para facilitar o acesso a recordações positivas e significativas.

A reminiscência não se centra apenas na memória factual, mas também nas emoções associadas às experiências, promovendo sentimentos de satisfação, pertença e continuidade pessoal.

2. Origem e fundamentação teórica
O conceito de reminiscência remonta à psicologia do envelhecimento. Foi inicialmente descrito por Butler (1963), que apresentou a ideia de que o “reviver do passado” fazia parte de um processo natural de integração da vida e preparação para o fim. Com o tempo, esta prática ganhou um enquadramento terapêutico mais estruturado, sendo atualmente reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma intervenção válida para a melhoria da qualidade de vida em pessoas idosas, com ou sem demência.

Do ponto de vista neuropsicológico, a terapia de reminiscência apoia-se na noção de que, nas fases iniciais das demências, as memórias mais antigas tendem a ser preservadas, enquanto as memórias recentes são as primeiras a deteriorar-se. Assim, ao ativar memórias remotas, esta terapia permite à pessoa aceder a partes da sua identidade que permanecem intactas, reforçando o sentido de continuidade do “eu”.

3. Objetivos da Terapia de Reminiscência
A terapia de reminiscência não tem como propósito “recuperar” a memória perdida, mas sim melhorar o bem-estar emocional, social e cognitivo da pessoa com demência. Entre os seus principais objetivos destacam-se:

  • Estimular a memória autobiográfica, reforçando a identidade pessoal;
  • Promover o bem-estar emocional, através da evocação de memórias positivas;
  • Reduzir sintomas de ansiedade, agitação ou depressão;
  • Fortalecer a autoestima e o sentimento de valor pessoal;
  • Melhorar a comunicação e a interação social;
  • Aumentar a coesão e o vínculo entre cuidadores e doentes;

Contribuir para a humanização dos cuidados, valorizando a história de vida de cada indivíduo.

Importância da Terapia de Reminiscência nas Demências

4. A terapia na prática: como é implementada
A terapia de reminiscência pode assumir diferentes formatos, dependendo do contexto e do estado cognitivo da pessoa.

a) Sessões individuais
Nas sessões individuais, o foco está na história pessoal do participante. O terapeuta ou técnico de reabilitação cognitiva conduz a conversa com base em temas específicos (infância, trabalho, casamento, viagens, etc.), recorrendo a objetos ou fotografias que estimulem a recordação.

Estas sessões permitem uma abordagem mais íntima e personalizada, favorecendo a expressão emocional e a construção de um ambiente de confiança.

b) Sessões em grupo
Em contexto de grupo — como lares, centros de dia ou unidades de cuidados continuados — a terapia de reminiscência promove o sentido de comunidade e partilha. Os participantes são convidados a falar sobre experiências comuns (como a escola, as tradições populares, a música da juventude ou eventos históricos).

Além do estímulo cognitivo, esta modalidade reforça os laços sociais e combate o isolamento, muitas vezes associado às demências.

c) Ferramentas utilizadas
Os estímulos sensoriais são elementos-chave no sucesso da terapia. Entre os mais comuns encontram-se:

  • Fotografias e álbuns de família;
  • Objetos antigos (moedas, brinquedos, utensílios domésticos);
  • Músicas da juventude;
  • Cheiros familiares (perfumes, flores, alimentos);
  • Vídeos, filmes ou programas televisivos antigos;
  • Revistas ou jornais de épocas passadas.

A utilização destes materiais desperta não apenas a memória, mas também emoções, expressões faciais e até comportamentos motores associados a recordações agradáveis.

5. Benefícios comprovados
Diversos estudos científicos têm demonstrado os efeitos positivos da terapia de reminiscência em pessoas com demência. Os benefícios observam-se em várias dimensões:

a) Dimensão cognitiva
Embora não reverta o declínio cognitivo, a terapia de reminiscência estimula a atenção, a linguagem e a memória de longo prazo, mantendo as capacidades preservadas por mais tempo.
Há também evidências de melhoria na fluência verbal e na capacidade de evocação de palavras associadas a experiências pessoais.

b) Dimensão emocional
Evocar memórias positivas contribui para o equilíbrio emocional, reduzindo sintomas de depressão e ansiedade. O contacto com momentos felizes gera prazer, conforto e um sentimento de segurança.
A pessoa sente-se reconhecida e valorizada, o que reforça a autoestima e o sentido de identidade.

c) Dimensão social
Em contexto de grupo, a reminiscência promove a comunicação e a interação, quebrando o isolamento e facilitando a partilha de histórias e emoções.
Muitos participantes demonstram aumento de empatia e interesse pelas experiências dos outros, criando laços de amizade e solidariedade.

d) Dimensão familiar e do cuidador
Para familiares e cuidadores, a terapia de reminiscência é uma oportunidade de reconhecer a pessoa para além da doença. Ao ouvir as histórias e memórias do idoso, o cuidador compreende melhor a sua história de vida e cria uma relação mais empática.
Isto reduz o stress do cuidador e melhora a qualidade do cuidado prestado.

6. O papel do terapeuta e do ambiente
O sucesso da terapia de reminiscência depende em grande parte da competência e sensibilidade do profissional que a conduz. O terapeuta deve criar um ambiente seguro, acolhedor e livre de julgamentos, onde a pessoa se sinta à vontade para partilhar as suas memórias.

É essencial adotar uma escuta ativa, reforçar positivamente as respostas e validar as emoções expressas. O foco deve estar no significado da experiência, e não na precisão factual da lembrança — especialmente nas fases mais avançadas da demência.

O ambiente também desempenha um papel fundamental: deve ser calmo, familiar e confortável, com estímulos sensoriais cuidadosamente escolhidos para evitar confusão ou sobrecarga.

7. Limitações e desafios
Apesar dos seus reconhecidos benefícios, a terapia de reminiscência apresenta alguns desafios. Nem todas as recordações evocadas são positivas — algumas podem despertar tristeza ou dor. O terapeuta deve estar preparado para gerir reações emocionais intensas, proporcionando apoio e conforto.

Além disso, o impacto da terapia pode variar conforme o estádio da demência. Em fases muito avançadas, a capacidade de evocação é reduzida, mas o estímulo sensorial (como música ou cheiros) pode ainda assim gerar reações afetivas positivas.

Outro desafio é a falta de formação específica de alguns profissionais e a escassez de recursos em determinadas instituições, o que limita a aplicação sistemática da intervenção.

8. Perspetivas futuras e integração nos cuidados
A terapia de reminiscência deve ser vista como parte integrante de um plano multidisciplinar de cuidados às pessoas com demência. Quando associada a outras abordagens não farmacológicas — como a musicoterapia, a terapia ocupacional ou a estimulação cognitiva —, os resultados tendem a ser mais expressivos.

Com o envelhecimento progressivo da população portuguesa, torna-se urgente investir na formação de profissionais e na criação de programas estruturados que incluam a reminiscência como prática regular em lares, centros de dia e hospitais.

O uso de tecnologias digitais também representa uma nova fronteira. Aplicações e plataformas multimédia permitem criar “álbuns de memórias virtuais”, com vídeos, músicas e fotografias personalizadas, ampliando o alcance e o impacto da terapia.

A terapia de reminiscência é muito mais do que uma simples recordação do passado — é uma ponte entre a memória e a identidade, entre o que a pessoa foi e o que ainda é. Nas demências, onde a perda de memória ameaça apagar a história pessoal, esta intervenção devolve significado, autoestima e humanidade.

Através das lembranças, a pessoa com demência volta a sentir-se protagonista da sua própria vida, mesmo que por instantes. E para os profissionais e familiares, ouvir essas histórias é também um ato de reconhecimento e respeito pela pessoa que continua ali, para além da doença.

Em suma, a terapia de reminiscência representa um instrumento essencial de cuidado centrado na pessoa, promovendo dignidade, conexão e esperança. Porque, no fim, lembrar é continuar a existir.

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