A demência é uma síndrome neurodegenerativa progressiva que afecta milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente a população idosa. Caracteriza-se pela deterioração das funções cognitivas — memória, linguagem, orientação, compreensão e julgamento — que interfere significativamente com a capacidade de realizar actividades do quotidiano. Entre as formas mais comuns de demência encontram-se a Doença de Alzheimer, a demência vascular, a demência com corpos de Lewy e a demência frontotemporal.
No entanto, a demência não afecta apenas o cérebro em termos cognitivos. Com o avanço da doença, os doentes tendem a manifestar sinais físicos como alterações posturais, rigidez muscular, marcha instável e perda de mobilidade. É neste contexto que a fisioterapia assume um papel crucial e muitas vezes subestimado no acompanhamento e melhoria da qualidade de vida destes indivíduos.
Este artigo tem como objectivo explorar em profundidade o papel da fisioterapia na demência, destacando as suas abordagens, benefícios e desafios, bem como o seu impacto no contexto multidisciplinar do cuidado ao doente com demência.
Compreender a Demência: Um Enquadramento Geral
A demência não é uma doença específica, mas sim um termo geral que descreve um conjunto de sintomas provocados por diversas patologias cerebrais. Estima-se que mais de 55 milhões de pessoas vivam atualmente com demência a nível global, sendo esperado um aumento significativo nas próximas décadas, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Os sintomas variam consoante o tipo de demência e o seu grau de progressão, mas geralmente incluem:
- Perda de memória recente;
- Dificuldades de linguagem e comunicação;
- Alterações de humor e comportamento;
- Desorientação no tempo e espaço;
- Perda de competências motoras e funcionais.
A natureza progressiva da doença torna inevitável o declínio físico e mental do indivíduo, aumentando a dependência de terceiros para as actividades básicas da vida diária (ABVD).

A Fisioterapia no Contexto da Demência
A fisioterapia, enquanto área da saúde centrada na optimização do movimento e funcionalidade, desempenha um papel vital no suporte ao doente com demência. Os fisioterapeutas actuam de forma individualizada, considerando o estado clínico, o grau de funcionalidade e o ambiente social de cada paciente.
Objetivos da Fisioterapia na Demência
Os principais objetivos da intervenção fisioterapêutica na demência incluem:
- Manutenção ou melhoria da mobilidade funcional;
- Prevenção de quedas e lesões associadas;
- Promoção da independência nas atividades do dia-a-dia;
- Redução de contraturas e rigidez muscular;
- Estimulação cognitiva através de exercícios físicos e motores;
- Promoção do bem-estar físico e psicológico;
- Alívio de dores músculo-esqueléticas;
- Educação e apoio aos cuidadores.
Avaliação Fisioterapêutica
A avaliação inicial é fundamental para traçar um plano de intervenção adequado. Deve incluir:
- Avaliação do equilíbrio, marcha e postura;
- Análise da força muscular e amplitude de movimentos;
- Avaliação da dor;
- Observação da funcionalidade nas ABVD;
- Avaliação da cognição e da cooperação do paciente;
- Entrevista com familiares e cuidadores.
Ferramentas como o Mini-Mental State Examination (MMSE), Timed Up and Go (TUG) e Escala de Berg podem ser usadas para complementar a avaliação.
Intervenções Fisioterapêuticas na Demência
As estratégias de fisioterapia para doentes com demência são variadas e adaptadas às necessidades específicas de cada caso. A abordagem deve ser holística, centrada na pessoa e orientada para a funcionalidade.
1. Exercício Físico Regular
Programas de exercício físico adaptado têm demonstrado benefícios significativos na manutenção da mobilidade, redução do risco de quedas, melhoria do humor e até mesmo na estabilização de alguns aspectos cognitivos.
- Atividades recomendadas incluem:
- Marcha supervisionada;
- Alongamentos activos e passivos;
- Exercícios de equilíbrio e propriocepção;
- Actividades de resistência leve (com elásticos ou pesos leves);
- Exercícios em grupo com música para estimulação sensorial.

2. Treino de Marcha e Equilíbrio
A marcha nos doentes com demência tende a tornar-se lenta, insegura e instável, aumentando drasticamente o risco de quedas. O fisioterapeuta trabalha a correção postural, a coordenação motora e a utilização de ajudas técnicas (bengalas, andarilhos, etc.), quando necessário.
Técnicas como treino em escadas, percursos com obstáculos e plataformas de equilíbrio são úteis para aumentar a confiança e a estabilidade do paciente.
3. Estimulação Multissensorial
A integração de estímulos visuais, auditivos, tácteis e olfativos durante a terapia pode melhorar a atenção, reduzir a agitação e favorecer a ligação entre corpo e mente.
Exemplos práticos:
- Utilização de bolas de diferentes texturas;
- Sessões com música ambiente familiar;
- Aromaterapia durante os alongamentos.
4. Terapias com Componentes Cognitivos
A combinação de tarefas físicas com desafios cognitivos (dual-task training) tem mostrado resultados promissores na manutenção das capacidades mentais em estágios iniciais e intermédios da demência.
Exemplos incluem:
- Caminhar enquanto se nomeiam objetos de uma categoria;
- Exercícios com sequência de movimentos memorizados;
- Jogos motores com regras simples.
5. Técnicas de Mobilização e Alongamento
Nos estágios mais avançados da demência, a imobilidade prolongada pode causar contracturas, dor e úlceras de pressão. Técnicas de mobilização passiva e posicionamento correcto são essenciais para preservar o conforto e prevenir complicações.
O fisioterapeuta também ensina cuidadores a manusear e movimentar o paciente de forma segura e ergonómica.
A Importância da Intervenção Precoce
Uma intervenção fisioterapêutica precoce, iniciada logo após o diagnóstico, pode retardar significativamente o declínio funcional. Embora a demência seja irreversível, manter a mobilidade e independência por mais tempo traduz-se em melhor qualidade de vida, menor sobrecarga para os cuidadores e redução dos custos associados ao cuidado institucional.
Além disso, o exercício regular está associado à libertação de endorfinas, melhoria do sono e redução da ansiedade — fatores muitas vezes comprometidos nos doentes com demência.
O Papel do Fisioterapeuta na Equipa Multidisciplinar
O tratamento da demência requer uma abordagem multidisciplinar envolvendo médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e fisioterapeutas. Neste contexto, o fisioterapeuta contribui com a sua expertise na reabilitação física, mas também como elo de comunicação entre paciente, família e restante equipa.
A partilha de informação sobre a evolução física, o comportamento motor e as dificuldades do dia-a-dia é essencial para o ajustamento do plano terapêutico global.

Desafios da Fisioterapia na Demência
Apesar dos seus benefícios comprovados, a fisioterapia na demência enfrenta vários desafios:
- Baixo nível de cooperação do paciente devido à deterioração cognitiva;
- Falta de formação específica dos profissionais para lidar com este tipo de utente;
- Limitações estruturais e logísticas em lares e unidades de cuidados continuados;
- Escassez de tempo para sessões personalizadas;
- Sobrecarga dos cuidadores informais, dificultando a continuidade dos exercícios em casa.
Superar estes obstáculos exige investimento em formação, sensibilização da comunidade e integração plena do fisioterapeuta no processo de acompanhamento a longo prazo.
Estudos e Evidência Científica
Diversos estudos demonstram os efeitos positivos da fisioterapia em pacientes com demência. Um exemplo é o ensaio clínico de Pitkälä et al. (2013), que revelou melhorias significativas na mobilidade, capacidade de marcha e qualidade de vida após um programa de exercícios individualizados de 12 meses.
Outros estudos indicam que intervenções físicas regulares ajudam a retardar o declínio funcional e reduzem a necessidade de institucionalização precoce, contribuindo para uma maior autonomia.
A fisioterapia desempenha um papel indispensável na abordagem holística à demência. Não sendo uma cura, é uma poderosa ferramenta de promoção da qualidade de vida, funcionalidade e bem-estar dos pacientes. A sua eficácia está comprovada não só em termos físicos, mas também psicológicos e sociais.
É urgente reconhecer e valorizar a contribuição do fisioterapeuta no tratamento da demência, desde os estágios iniciais até aos cuidados paliativos. A integração precoce da fisioterapia num plano terapêutico multidisciplinar é uma estratégia que beneficia não só o doente, mas também os cuidadores e o sistema de saúde em geral.
Com o envelhecimento da população e o aumento exponencial dos casos de demência, investir em fisioterapia é investir na dignidade, mobilidade e humanidade dos nossos idosos.
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